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quarta-feira, 19 de outubro de 2005

A língua escrita e o arame farpado

Maria Inês Barreto Netto

De instrumento de preservação de informações necessárias à subsistência e à existência de sociedades primitivas e antigas, a língua escrita passou a ser meio fundamental de acumulação e transmissão de informações e conhecimentos.

As palavras, a linguagem, são para nós um modo de nos referirmos ao que conhecemos do mundo, ao como conhecemos o mundo, ao para que conhecemos o que sabemos do mundo, ao mesmo tempo em que somos, dialeticamente, produtos desse processo de conhecimento. Por isso mesmo, ela não é asséptica, nem neutra ou amorfa.

Maurizzio Gnerre (1991) diz-nos, em seu estudo sobre linguagem, escrita e poder, que a linguagem escrita, nas sociedades letradas, se conformou historicamente pelos grupos sociais dominantes, relacionada à conservação do seu poder sobre os dominados. A variação lingüística dos “grupos de poder, [...] foi reproposta como algo de central na identidade nacional, enquanto portadora de uma tradição e de uma cultura,” difundindo-a como “superior e neutra”, posto que “o Estado e o poder são apresentados como entidades superiores e neutras.” (ibid.). Haquira Osakabe sugere também essa constituição “como complemento da oralidade [...], como instrumento de interlocução a distância” (Osakabe, 1988). O espaço e o tempo são, portanto, elementos que também marcaram e marcam a feitura da linguagem escrita.

A linguagem é, então, construção socialmente coletiva e histórica nas suas variações lingüísticas, entrecruzando-se variação culta e variação popular sem limites pela constituição interlocutiva. Mas, tam-bém, a língua simboliza o mundo vivido, contendo em seu corpo (da língua e do mundo) todas as conseqüências e determinações histórico-sócio-econômicas.

A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (Gnerre, op. cit.). Justamente por existir esta força de um lado, que ao mesmo tempo está presente nas relações escolares, desde a pré-escola, necessária se faz a construção de uma contraforça.

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Em determinado contexto ideológico, essa contraforça é aclamada como utópica. Por que esta situação, dita utópica, não é aceita como possibilidade, ou mesmo como real, e por que não aplicaram a ela outra simbolização lingüística menos carregada de impossibilidades (assim consideradas por quem escolheu denominá-la impossível)? Não haverá, (mal) oculta na carga semântica da palavra “utopia”, uma estratégia do poder e dos poderosos para destruir previamente o “inédito-viável”, usando uma expressão de Paulo Freire? Esta semântica destruidora está presente no mais simples e elementar dos sonhos e dos viveres do dia-a-dia. E o sonho, operativamente perseguido, já não será um ângulo de sua realização no agora?


Referências

GNERRE, M. Linguagem, Escrita e Poder. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

OSAKABE, H. Considerações em torno do acesso ao mundo da escrita. In: ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 11 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. 164 p. P. 147-152.

2 comentários:

nina disse...

muito bom seu texto!

estava procurando algo a respeito desse livro, e gostei muito da sua critica.



abraços!

Unknown disse...

Muito obrigada, Nina!
Esse livro é maravilhoso mesmo. Penso que todos nós, professores, deveríamos fazer a leitura dele e refletir sobre essas relações entre escrita e poder. Veja o caso recente das críticas ao "os livro"...

Abraços!