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Manifesto indignado do FPEI: Avaliar para que? E para quem?
O velho mundo morre enquanto o novo tarda a aparecer.
No claro-escuro perfilam os monstros.
(Antonio Gramsci)
O Fórum Paulista de
Educação Infantil traz seu manifesto indignado, contra as ondas de controle, ou
melhor, a este verdadeiro tsunami que
invade os territórios da educação das
crianças pequenas, a avaliação em larga escala do desempenho das crianças de 0
até 6 anos de idade, por meio de testes, questionários, provas e quaisquer
outros instrumentos, que não respeitem as crianças como produtoras de culturas
infantis.
Ao lado dos bebês e das
crianças, defendendo-as em seus direitos como produtoras de culturas, há
diversos documentos, pesquisas e leis que abrangem as especificidades das infâncias.
Desta forma, não podemos admitir que tais procedimentos avaliativos se
instalem, ignorando e desconsiderando todo processo de concepção sobre Educação
Infantil e avaliação presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.
9394/96), nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil (Resolução
CNE/CEB nº 05 de dezembro de 2009) e nos Indicadores da Qualidade na Educação
Infantil (2009).
Há, portanto,
que considerar – ouvindo - os professores e professoras, pesquisadores e
pesquisadoras, enfim os tantos profissionais da educação que, ao longo dos
anos, têm aprendido com as crianças e não só sobre elas... aprendido com as crianças reais, em ambientes coletivos de
educação. Esses ambientes sim, merecedores da avaliação detalhada de seus
contextos organizativos de tempo, espaços, interações, formação docente,
propostas pedagógicas, formas de registro do tempo,
do espaço , enfim, das “condições dadas” para a produção das culturas infantis
e formas de registro da experiência vivida, aprendida, transgredida,
desaprendida, inventada, recriada, etc. Sempre uma avaliação da
instituição e do projeto pedagógico, além da avaliação das políticas públicas
(gestão, recursos financeiros, pedagógicos, etc.); jamais avaliação individual
das crianças, que tem sido historicamente produtora de estigmas e de pressão
contra as crianças e não de condições favoráveis à formação humana em suas
múltiplas dimensões.
De outro lado, nossos
estudos, pesquisas e trabalho pedagógico com as crianças pequenas nos mostram que
a infância é uma construção histórica e social, o que torna impossível imaginar
a proposição de um instrumento que quantifica, para avaliar as descobertas, as
invenções, enfim as experiências das crianças.
Sendo assim, como não nos indignarmos diante da
possibilidade de uma proposta de avaliação nacional que desconsidera a
existência das diferentes infâncias e crianças e, em especial, o lugar de
cada uma delas na estrutura da sociedade brasileira segundo a classe
social, pertencimento racial e étnico, gênero e cultura, entre outras
diferenças?
As meninas e meninos nos
mostram e nos revelam que as diferentes e múltiplas dimensões humanas não são
passíveis de serem retratadas ou aferidas, com dignidade, por testes ou
avaliações pré-formulados, a partir de uma visão de um modelo de criança que
verdadeiramente e felizmente, não existe.
Assim não é possível
compactuar com a disseminação de mecanismos de avaliação que se circunscrevem à
classificação das crianças, tendo por base categorias definidas a priori, que
revelam um padrão esperado e idealizado do que as crianças devem ser em cada
faixa etária. O objetivo fundante de tais instrumentos, que menosprezam as
dimensões humanas em construção desde o nascimento, é basicamente avaliar se a
resposta é certa ou errada, ou se o comportamento do bebê ou da criança
corresponde às normas e as expectativas pré-determinadas. Tais modelos de
avaliação, revestidos pela ótica falsamente objetiva e padronizada, apregoam a
possibilidade e a crença de poder apreender a realidade com precisão. Crença
esta, que só se sustenta na perspectiva da avaliação tradicional, balizada por
duvidosos diagnósticos, descontextualizados e antidemocráticos, capazes de
definir currículos homogeneizantes e práticas sem significado, moldando e reforçando
comportamentos, tendo em vista sua adequação ao produto final esperado. Essa
concepção etapista da educação infantil não cabe mais em lugar algum.
É nessa perspectiva que
se instala nossa indignação. Afinal, não podemos retroceder e desconsiderar os
avanços significativos que a educação da pequena infância vem construindo nas
últimas décadas, com a inestimável e generosa participação das crianças, em
relação à avaliação e aos processos de documentação pedagógica. Esses avanços
já fundamentam inclusive as bases legais que sustentam a primeira etapa da
educação básica, a Educação Infantil do país, como já sinalizado. Avanços que
anunciam a possibilidade de pensar em propostas avaliativas que considerem as
crianças reais, suas vozes, experiências, culturas e saberes, e ainda
impulsionem a construção de uma educação da infância de qualidade e digna de
todos os bebês e crianças deste país, cuja riqueza, inteligência, curiosidade e
inventividade, não cabem em testes, questionários ou provas. Tais instrumentos
que querem implantar são pequenos, são indignos da grandeza de nossas crianças.
Não estaremos jamais ao
lado dos que querem aferir os conhecimentos dos bebês e das crianças pequenas
com provas e teste e estaremos sempre em defesa da Pedagogia da Infância que
aprende a cada dia os alcances da capacidade inventiva e transgressora das
crianças pequenas. Não admitimos que uma avaliação que não serve para as
crianças do ensino fundamental, por inúmeros motivos, dos quais destacamos
hierarquizar escolas e restringir currículos à preparação para provas, seja
estendida à Educação Infantil.
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